segunda-feira, 3 de junho de 2013

STOP DSM

 PRA ACABAR COM O DSM
A OBRIGAÇÃO A UMA REFERÊNCIA DIAGNÓSTICA AO DSM PREJUDICA A CIENTIFICIDADE ; OPERA À REVELIA DO TRATAMENTO PSÍQUICO ; TEM UM CUSTO ALTÍSSIMO  PARA OS ESTADOS; E PARALISA A PESQUISA E O ENSINO.
O « sofrimento psíquico » ultrapassa a definição habitual das doenças, pois pode tocar cada um. A Organização Mundial da Saúde o considera como uma prioridade. Mas a O.M.S. enveredou neste terreno a partir de um escolha  unívoca, considerando como um  avanço científico o manual da APA ( American Psychiatric Association ). Essa escolha exclusiva da O.M.S. leva o nome genérico de DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders). A versão do DSM III estigmatiza os conflitos de interesse em psiquiatria, e é contemporânea dos incentivos a tratamentos comportamentalistas e dos TCC. E como esses métodos são aleatórios, eles participam da promoção de um indispensável complemento farmacológico. 
1.  Qual é o valor científico do DSM ?
O seu antepassado, o SNCD, é uma compilação empírica redigida em 1932 para o exército americano. Em 1948, a O.M.S. o usou para redigir a International Classification of Diseases que chega à sua décima versão (ICD 10 ou CIM 10 para a França). As diferentes versões do DSM foram redigidas desde 1952 pela American Psychiatric Association. Enquanto o DSM II levava em conta uma abordagem dinâmica da psicopatologia, o DSM III, publicado em 1980,  suprimiu todas as referências à psicánalise em nome duma total neutralidade teórica. Resultou disso uma metodologia descritiva, ignorando voluntariamente os conceitos psicológicos a partir dos quais se poderia ter elaborado uma classificação objetiva, clínica e scientífica dos grandes campos da psicopatologia. Existe numerosos sub-conjuntos do DSM. A metodologia deles sempre vai à contramão dos critérios de objetividade de quaisquer ciências da natureza, como daqueles de quaisquer ciências humanas. Pra que uma observação atende à cientificidade, precisa que isola invariantes latentes, determinismos que formam axiomas e destacam estruturas reduzidas. Esse procedimento se apoia sobre a observação de fatos, fora de qualquer preconceito. Se apoia também nos elementos adquiridos pela experiência que é a única a permitir que se verifique seu interesse diagnóstico e seu valor predicativo. É o contrário da metodologia do DSM, que não tem nenhum precedente em nenhuma ciência, a não ser nas classificações enciclopédicas (do tipo: Linné, Buffon, etc) que classificavam as espécies segundo caráteres distintivos, antes de se voltar para classificações comparativas que punham em evidência traços comuns às diferentes espécies. Na sua introdução, é verdade que o DSM se declara ideologicamente ateórico. Mas será possível em pesquisa ?
O DSM demostra em si que não, pois basta que um rol de « disfuncionamentos » manifestos seja estabelecido sem levar em conta as estruturas em que se inscrevem, ou basta que esses « disfuncionamentos » sejam desligados das circunstâncias subjetivas da sua emergência, para que a hipótese de uma causa orgânica logo se imponha. Essa concepção dum homem reduzido à máquina não encontrou até hoje nenhuma prova alegada pela experiência, inclusive nos trabalhos neurocientíficos mais difundidos. Ao contrário do DSM, os avanços científicos mais recentes na área da neuroplasticidade ou da epigênese revelam que não se pode mais opor causalidades psíquica e orgânica, já que a primeira exerce uma influência na construção da segunda. A possibilidade de poder prever algo se acha subvertida : não se usa duas vezes o mesmo cérebro. Mas o DSM, suprimindo a causalidade psíquica, impõe em consequência a causalidade orgânica. Essa escolha é talmente anticiêntifica que proibe quaisquer outras referências, e que o uso dele é imposto a todos os profissionais da saúde na codificação dos diagnósticos. A impossibilidade de recusar qualquer ponto de vista tem por consequência de excluí-lo da área da ciência (como o demostrou Karl Popper). Qualquer que seja a ideologia de cientificidade das terceira e quarta versões do DSM, a sua metodologia não o é.
  A segunda característica anticientífica da metodologia DSM é o fato que ele reúne estatísticas que não dizem respeito aos pacientes, mas à opinião duma parcela de psiquiatras. Não se trata de observações clínicas, mas da contagem dos pontos de vista, às vezes recolhidos de modo arbitrário. Esse método com aparência democrática nunca existiu na história das ciências. Um voto não pode servir de prova, e essa nomenclatura foi colocada sob a égide da doxa, como o demostra a sua legitimação pelo termo de consenso. É indício de popularidade, mas em nenhum caso de validade científica.
  Essas primeiras características não-científicas do DSM não se opõem ao seu interesse a nível epidemiológico, que pode entrar no quadro duma governança racional. Agora, se se procura usá-lo com esta finalidade, os profissionais não deveriam nunca, no entanto, serem obrigados a recorrer a ele com objetivo diagnóstico e pronóstico. Aliás, obrigação contrária à ética médica e à dos tratamentos psíquicos.
2.  Qual é a validade clínica desta metodologia ?
Esses repertórios de « distúrbios » e  « disfuncionamentos » só dão do sofrimento psíquico fotografias superficiais. Não se conheça, em nenhum ramo da medicina, um profissional da saúde que faria um diagnóstico de uma doença fiando-se às aparências ou à manifestação visível de um sintoma ! Já que a repetição de invariantes regulares é sistematicamente descartado, as descrições de superfície se multiplicam : a referência à Evidence Based Medecine, que procura privilegiar a prova com um intento de maior eficiência, revela o quanto seu objetivo, na exploraçao clínica, se reduz às evidênciais mais superficiais, ou vai misturando elementos heterogêneos, em particular elementos clínicos e morais : como o notou, por exemplo,  o Pr Misès a respeito das « perturbações do comportamento » : a « incivilidade » se tornando uma doença.
Disto resulta uma inflação de « distúrbios » que alimenta a ausência de cientificidade, já que esta última permite em geral de limitar a grande variedade de manifestações a alguns tipos clínicos, cujo número é reduzido. Desde a versão de 1952, o DSM passou de então 106 patologias repertoriadas a 410 « disfuncionamentos » hoje identificados na versao atual. Na próxima versão, em elaboração, o DSM V vai registrar pelo menos vinte categorias suplementares. No que diz respeito a patologia mental, térá construído um conjunto de « falsos positivos » cujos únicos beneficiários arriscam  ser os grandes grupos farmacêuticos.  Além disso, essa proliferação favorece o aparecimento de conceitos indefinidos que justificam práticas de tratamento perigosas e segregativas para as crianças.
Nas versões antigas do DSM, a histeria, categoria clínica perene, cuja presença foi atestada pela experiência desde a Antiguidade, foi simplesmente suprimida. Da mesma forma, a neurose não é mais homologada desde 1980,  e a homosexualidade teve que esperar 1987 pra não ser mais considerada como doença mental. E, de fato, a sexualidade, paradoxalmente, não tem mais estatuto depois dessa data…  Disso tudo se conclui que as estatísticas se referem à cultura americana, às normas e às modas dela, enquanto essas classificações de psicopatologia deveriam ter uma ambição internacional. A O.M.S., de fato, pensa impôr a aplicação do ICD no mundo inteiro daqui a alguns anos.
No que diz respeito agora ao futuro projeto do DSM V, ele inventa novas categorias de natureza exclusivamente dimensional (quantitativa), baseada na amplitude das manifestações consideradas como patológicas, como por exemplo o « disfuncionamento de hipersexualidade » ou o « disfuncionamento parafílico coercitivo ». Muito  mais preocupante ainda é a instauração de valores predicativos, prevendo os disfuncionamentos futuros. Assim, cada um pode ser potencialmente um futuro doente, e com isso ser susceptível de tratamento preventivo. Essa inflação dantesca vai poder atingir alturas vertiginosas com a invenção de « síndromes de risco », tal como o « síndrome de risco psicótico », que poderia, passando da prevenção à predição, prescrever sistematicamente psicotropes numa proporção consequente a adolescentes julgados atípicos. E isto, enquanto nenhum teste de terreno possa justificar a sua utilidade. Uma tal extensão da patologia poderia, aliás, chegar a ser considerada contrária aos Direitos do Homem.
3.  O DSM prejudica a saúde
Com um tal catálogo de critérios assim diversificados, daqui a pouco o psiquiatra não será mais necessário. E também não o serão mais nem o médico, nem o enfermeiro. O fármago poderá diretamente distribuir os psicotropes. E se os Estados fossem todos orientados nessa direção e política de saúde, qual seria o efeito disto ou a sua eficácia ?
Um diagnóstico DSM repertoria manifestações comportamentais sem a agudez de nenhuma estrutura psicipatológica de conjunto, e isso à revelia de toda a psiquiatria clínica. Cada comportamento corresponde a um tipo a assinalar(case à cocher) e não é mais que o sinal de uma « desordem » erguida ao  estatuto de entidade patológica inata. Acrescem-se noções tais como a de « doente difícil », ou de « não sujeição ao tratamento ». Enfim, certas categorias DSM (por exemplo, as codificadas de F20 a F31) vão com certeza serem colocadas ao serviço de transferências de competência em direção ao médico-social, esvaziando a psiquiatria pública e privada do seu contéudo. Já, em determinados serviços da região parisiense,e em nome da objetividade, o recolho de check-lists desde  a primeira entrevista destruiu a semiologia clínica, julgada subjetiva, assim como a abordagem dinâmica dos sintomas. O DSM suprime toda referência à causalidade psíquica ou histórica, sem deixar lugar aos eventos traumáticos da vida do paciente e de sua anamnese ; tudo é programado como se a condição humana podia ser medicalizada. A cura relacional, ou simplesmente a palavra são invalidadas como instrumentos terapêuticos, de tal maneira que os pacientes que podem ter uma necessidade urgente de se confiar arriscam escolher terapias não-científicas, até sectárias, com a caução involuntária dos Poderes Públicos.
É baseando-se nestes check-lists que a maioria dos pacientes são medicalizados abusivamente ou tempos demasiadamente longos. Como o mesmo sintoma se encontra em estruturas diferentes, que não apelam para a mesma conduta terapêutica, e como esse sintoma  é susceptível de ser recalcado por um tratamento farmacológico, a causa principal do sofrimento psíquico se torna irreconhecível e o paciente, incurável, apesar de ser demasiadamente medicalizado. Na medida em que aliviam os efeitos e não as suas causas, essas prescrições se auto-reconduzem com perigo, até a dependência, e mesmo a adição. Quando um protocolo de cura fracassa, em vez de ser questionado, cria-se uma nova categoria. De maneira que as terapias medicalizadas, no princípio bastante úteis, acabam por terem um resultado contra-produtivo. Ainda mais que os efeitos indesejáveis a longo prazo com remédios recentes são ainda desconhecidos e que os estudos previsionais entre benefícios e riscos são frequentemente sujeitos à questionamento.
Esse círculo vicioso, hoje, principia desde a infância. Para uma ação preventiva em psiquiatria da criança e do adolescente, os pedopsiquiatras, em maioria de formação analítica, querem colaborar com os pediatras e os responsáveis escolares, no intento de detectar os signos de sofrimento psíquico. E isso para evitar que um sofrimento latente evolua e se arrime em psicose, em neurose severa ou numa inadaptação irreversível. Ora, o DSM V por vir transforma essa prevenção em anticipação terapêutica : não se cura mais a criança pelo que ele pode sofrer presentemente mas pelo distúrbio que poderia um dia se manifestar nele. Essa «  predictabilidade » arrisca fechar o paciente num diagnóstico à vida, com medicação para psicopatologias que ainda não apareceram. Ao invés, quando o sofrimento psíquico é entendido, o tratamento evita a fixação numa patologia.
4.  O DSM orienta os ensinamentos do lado duma prática única
O sucesso do DSM não resulta de uma recepção positiva dele por parte dos profissionais de saúde. Pois, ao contrário, foi imposto de fora. Conheceu primeiro larga expansão graças às companhias de seguro e aos grupos de pressão que exigiram suas referências para os reembolsos, nos Estados Unidos e em certos países da Europa. As empresas farmacêuticas também são à origem de tábuas de adequação entre as categorias do DSM e a administração de remédios. Esses diferentes lobbies foram suficientemente potentes pra levar universidades cada vez mais numerosas a pôr o DSM no primeiro plano do ensino, assim colocado ao serviço de interesses classificatórios, ideológicos ou financeiros.
Os futuros clínicos foram formatados na ignorância da clínica clássica. No ensino, o requisito organicista elimina todos os pontos de vista que o precederam, operando uma ruptura que não genera o surgimento de nenhum novo paradigma. Até o fim dos anos setenta, prevalecia uma relativa unidade da psicopatologia. A psiquiatria clínica européia se era enriquecida graças aos avanços  da psicanálise e da psicologia. Esses intercâmbios interdisciplinares foram suprimidos a partir de 1980, e isso de maneira aleatória, já que o objeto da psicopatologia permanece o mesmo. Hoje, o conjunto do ensino da psiquiatria é majoritariamente tributária do DSM e da farmacologia. Apenas as UFR de psicologia ainda ensinam uma diversidade de pontos de vista. Mas ainda pra quanto tempo ? No entanto, essa relativa diversidade não tem nada de operacional, pois não são os psicológos que tomam as decisões terapeûticas. Além do mais, essa clivagem entre psicológos e psiquiatras alimenta uma  « guerra ideológica » inútil cujos pacientes e os orçamentos são tributários.
Não só o ensino médico se faz sob a formatagem única DSM, mas, além disso, o essencial do ensino post-universitário é assumido por laboratórios farmacêuticos. De forma que esta formação alimenta a proliferação das prescrições de remédios, já que toda outra orientação de pesquisa é proscrita.
Enfim, um lobbying oculto, jamais discutido democraticamente, obriga os pesquiadores à publicar em revistas ditas qualificantes, muitas vezes anglo-saxonas, de mesma orientação, se pretendem assumir um dia cargos universitários. A CFTMEA francesa já contrariou a carreira de certos universitários impedindo-os de publicar em revistas anglo-saxonas, sob a alegação de « falta de linguagem comum ».
5.  A orientação imposta pelo DSM custa  caro aos Estados
As escolhas da O.M.S. têm notáveis repercussões sobre os sistemas de saúde dos Estados, e acarretam decisões caríssimas. A todos os níveis da saúde mental, o DSM se tornou o instrumento contável de orçamentos administrados pelos gestionários que organizam a saúde a partir de seus objetivos financeiros. Os problemas de saúde ficam não resolvidos e afinal têm um custo mais elevado. Commissões desconhecidas do público tomam decisões nesta base, e como a referência delas é o DSM, elas privilegiam os tratamentos farmacológicos (e até cirurgicais), apoiando-se no empobrecimento, até mesmo na destruição da organização por setores da psiquiatria que articula o intra e o extra hospitalar. O DSM tornou-se o cavalo de Tróia da indústria farmacêutica na prática médica quotidiana e principalmente a dos médicos generalistas, que prescrevem 80% dos psicotrópicos. Essas orientações terapêuticas generam um custo econômico bastante pesado pra os Estados e os sistemas de solidariedade como a Segurança Social. O custo não é simplesmente a transferência de fundos ao benefício da indústria farmaceûtica. Existe também um uso “médico-econômico”. Em função da codagem DSM, “taxas de pacientes” assim como “intensidade de tratamentos”são repertoriados com antecedência, e impõem limitações terapeûticas.
É possível ter uma idéia da importância dos custos gerados pelos diagnósticos DSM examinando as diferenças de prescrição em psiquiatria da criança entre os países que se conformam ao DSM e aqueles em que um outro ponto de vista permaneceu majoritário : na França, quase 20 000 crianças tomam Ritaline, o que é longe das 55 000 crianças inglesas, e sobretudo dos 3 milhões de canadenses e dos 7 milhões nos USA. Não espanta que existem laços de  interesses financeiros entre os comitês de expertise do DSM IV e a indústria farmaceûtica, já muitas vezes assinalados, se levamos em conta que os remédios psicotrópicos representam um mercado extremamente lucrativo. Nos USA, em 2004, os anti-depressores geraram 20,3 bilhões de dólares de lucro, os anti-halucinatórios, 14,4 bilhões. Certas categorias clínicas se ajustam de perto às indicações de novas moléculas, prefigurando uma classificação farmacológica « sur mesure », moldada nas exigências do marketing. Uma tal coincidência entre categoria clínica e efeitos das moléculas só pode favorecer uma quimioterapia de massa.
Ao contrário, se, de um ponto de vista financeiro, os tratamentos que privilegiam a relação intersubjetiva parecem primeiro mais caros em infraestruturas e em pessoal qualificado, demostram serem mais econômicos, a termo, além de conservar aos tratamentos  a sua dimensão humana.
É possível  acabar com a  hegemonia nefasta desta nomenclatura.
A O.M.S. e a W.P.A (World Psychiatric Association) organizaram em London em 2001 um simpósio sobre as classificações internacionais. A dificuldade dos debates levou a O.M.S. a decretar um moratório sobre as revisões do DSM V e do ICD 10, até esse ano.  Na realidade, a valsa das revisões do DSM foi devida à  única iniciativa da Associação psiquiátrica americana, e não dos profissionais, como previsto incialmente. Enquanto isso, o uso do DSM tem consequências diárias, que são visíveis tanto em certos relatórios do INSERM quanto em decisões legislativas que dizem respeito à saúde mental, ou ainda mais nos efeitos segregativos e securitários que dificultam não só o tratamento, como legitimam uma governança política do humano, desde a infância. Desde já, o DSM é usado também diante dos tribunais e a sua aparência objetiva é tanto mais perigosa quanto se esconde atrás do discurso da « ciência ».
A experiência mostrou que os atores da saúde podiam muito bem fazer recuar os efeitos da ideologia DSM. Por exemplo, o sucesso do abaixo-assinado “Pas de Zéro de conduite pour les enfants de trois ans”, (contra a expertise dos comportamentos em crianças de três anos), assinado por mais de 200 000 pessoas, depois da pesquisa do INSERM sobre « distúrbios nos comportamentos », obrigou o INSERM  a relativizar  estudos dados até então como científicos. Da mesma forma, o « Appel des Appels » capitalizou críticas relativas às nomenclaturas como também as da saúde, do ensino, ou da pesquisa, abarcando também a inciativa de « Sauvons la Clinique ». Outras respostas face aos perigos atuais já foram formalizados, ou o são, como « O collectif  des 39 contre la nuit sécuritaire » que  reuniu, em outubro de 2010, mais de mil pessoas em Villejuif.
Já em 2003, em Montpellier, os Estados gerais da Psiquiatria tinham permitido uma tomada de posição geral, em relação ao DSM IV, de grande parte das associações psiquiátricas, de quase a totalidade das associações psicanalíticas e do SIUERRPP, sindicato que reúne a maioria dos professores-pesquisadores-profissionais em psicopatologia clínica. A maior parte das sociedades psicanalíticas francesas assinaram naquela ocasião uma declaração na qual propunham « trabalhar em comum com os profissionais da psiquiatria para a construção de uma referência psicopatológica mais condizente com a realidade clínica do sujeito ». Como o observa aquela declaração, o DSM confunde o doente  com a doença. Uma prática que não leva em conta a subjetividade do inconsciente e do conflito psíquico, conceitos que demostram que os nossos pacientes têm uma história e um universo relacional que fazem parte integrante da clínica que apresentam.
Queremos promover positivamente uma clínica da subjetividade.
O número  de assinantes deste manifesto constitui uma expertise amplamente tão pertinente quanto  as estatísticas da A.P.A.. Consideramos que – se é ainda  legitímo fazer novas hipóteses, como a do DSM -, esta nomenclatura se é imposta por meios exteriores à pesquisa, e ela dificulta o curso habitual dos intercâmbios científicos.
1.  Pensamos que os clínicos atentos ao sofrimento psíquico e a seu tratamento se acham hoje confrontados com um problema suplementar devido ao fato de impôr esse pensamento único, aparentemente consensual, e ao seu uso abusivo e perigoso nas decisões terapeûticas, gestionárias e políticas. Pensamos também que se deve reduzir a inflação perigosa do número em expansão das categorias patológicas. Deve-se retomar o caminho da clínica que se era construída o longo de vários séculos graças aos intercâmbios da psiquiatria, da psicologia, da psicanálise e da antropologia.
 2. É preciso mandar parar as pressões administrativas sobre os clínicos, pressões que, sob a alegação de exigências contáveis, os dictam a sua conduta terapeûtica. Será que não é tempo, por exemplo, de tomar posição contra a V.A.P. (Valorazação da Atividade em Psiquiatria) ou então proceder a recusas de cotação (ou então fazer cotação F99 -) ?
3. Deve-se restabelecer no seu direito uma metodologia científica respeitando os pontos de vista contraditórios. Aliás, exigimos um restabelecimento da pluralidade dos pontos de vista doctrinais no ensino, e a libertação com relação ao DSM na pesquisa e nas revistas qualificantes. A obrigação duma « linguagem DSM », duma linguagem psiquiátrica  única, não deve mais servir de critério para publicar em revistas internacionais. Apenas o objeto da pesquisa deve entrar em conta. A pluralidade das referências conceptuais deve ser  respeitada e promovida. O DSM não é e não pode ser uma referência obrigatória e exclusiva, servindo  de instrumento de normalização das práticas e das condutas das populações. Precisa estabelecer uma transparência sobre a nomeação dos membros de evaluação das comissões deliberativas nessa área.
4. Existe desde já outras classificações que o DSM. A existência delas deve ser validada e ensinada. Entre elas, algumas já foram reconhecidas, tal como a CFTMEA, para as crianças e os adolescentes, que foi várias vezes utilizada em estudos epidemiológicos, e aliás inclui um quadro de equivalência com a CIM 10. Paralelamente, a utilidade duma classificação adaptada à clínica vai ser debatida e também encarados  os seus fundamentos.
5. É necessário distinguir as necessidades das problemáticas específicas, que são hoje frequentemente confundidas ou misturadas. Os critérios úteis não são os mesmos conforme se trata :
·         das administrações ;
·         de pesquisas epidemiológicas e de orientações em saúde pública ;
·         de prática clínica e terapeûtica ;
·         e enfim de pesquisa e de ensino.
A retomada à uma elaboração científica não significa um retrocesso ao passado. Exige pelo contrário de levar em conta, pra melhor integrá-las, as inovações da psicofarmacologia e das neurociências, que permitem diferenciar melhor as mediações orgânicas da causalidade psíquica. Trata-se ainda menos dum retorno à nosografia clássica que se deve levar em consideração uma clínica comparativa integrando dados novos de outras culturas, da mesma forma que se deve proceder à evaluação das modificações nos modos de vida que fazem aparecer manifestações simtomáticas mais evidentes que no passado. Tais estudos hão de permitir que se fundamentam critérios clínicos universalmente válidos.
Obras de referência :
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Bazalgette, Gérard, La tentation du biologique et la psychanalyse. Le cerveau et l’appareil à penser, Toulouse, érès, 2006
Besse, A. « L’AFPEP et son action internationale », Bulletin de l’AFPEP, janvier 2011
Cosgrove, L. ; Krimsky, S. ; Vijayaraghavana, M. ; Schneider, L. “Financial ties between DSM-IV panel members and the pharmaceutical industry”, Psychotherapy and Psychosomatics, vol. 3, University of Massachusetts, avril 2006, traduction française : « Liens d'intérêts financiers entre comité d'experts du DSM-IV et industrie pharmaceutique », José Morel Cinq-Mars, Tristan Garcia-Fons et Francis Rousseau).
Decorpaliada, Marco, Shizométrie, petit manuel de survie en milieu psychiatrique EPEL 2010, Gori R. ; Del Vogo. M.-J. La santé totalitaire, Paris, Denoël, 2005
Gori, R. ; Del Vogo, M.-J. Exilés de l’intime, LA médecine et la psychiatrie au service du nouvel ordre économique, Paris, Denoël, 2005
Gori, R. De quoi la psychnalyse est-elle le nom ? Paris, Denoël, 2010
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Lussier, Martine, Le travail du deuil, Paris, Puf, Le fil rouge, 2007.
Roudinesco E. Pourquoi la Psychnalyse Paris, Fayard 1999
Kernberg, Otto F. Les troubles graves de la personnalité : stratégies thérapeutiques, Paris, Puf, 1989.
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Malaval, J.-C. « Limites et dangers des DSM », L’évolution psychiatrique, 68, 2003, p. 39-61
CLASSIFICACÕES que não respondem aos critérios DSM :
- Classificação do Pr. Misès : C.F.T.M.E.A. édition CTNERHI 2002
- O P.D.M. americano : Interdisciplinary Council of Developmental & learnings disorders 2006

- O.P.D. alemão : Hogrefe & Huber 2000.